Cerca de quatro dias antes da prova, minha mãe me convenceu de que era melhor eu desistir e ficar aqui em São Paulo por perto dela mesmo(Ela está hospitalizada desde o dia 5 de Julho) Avisei ao Goes que não iria mais, falei pra nutri desencanar de me mandar o plano alimentar e me conformei.
Mas, faltando dois dias pra corrida, o meu irmão ficou sabendo disso e me fez voltar atrás! Ele sempre foi skatista e surfista e teve que lidar com o preconceito da minha mãe com esportes durante toda sua vida. Isso é tão ridículo, né? Ele nunca teve apoio e suporte pra nada nesse quesito e eu nunca percebi isso até finalmente descobrir um esporte que eu amava. Pra minha sorte, eu já não dependia da minha mãe me apoiar, mas imagino como deve ter sido difícil pra ele.
Com isso, ele foi uma rocha pra mim. Eu confesso que estava me apoiando um pouco na cara de choro da minha mãe pedindo pra eu não ir pra prova, mas no fundo eu estava também morrendo de medo de não dar conta do desafio. Não consegui treinar nem 40% do que deveria no mês anterior, tinha parado de fazer musculação com a confusão das idas ao hospital, e minha alimentação tinha dado uma boa desandada comendo no refeitório do hospital por tantos dias e me sentindo triste e aflita em tantos momentos.
Eu fiz a KTR Serra Fina no começo do ano, e a certeza pra versão Campos do Jordão era só uma: Não ia ser NADA fácil.
Acabei indo pra Campos do Jordão na noite anterior à largada. Retirei o kit meia hora antes de acabar a entrega, tive que jantar depois das 23h, na primeira cantina que vimos pelo caminho e comi completamente fora do que era pra ter comido. Não consegui nem comprar água mineral pra levar na mochila, nem preparar lanchinhos de pré-treino
Só fomos chegar na pousada pra dormir quase 2 da manhã. Acordei um pouco ansiosa mas relativamente tranquila. Fomos ver o que tinha no Café da manhã da pousada, mas tive que me contentar com umas batatas assadas que eu tinha conseguido levar, uma banana e suco. Terrível, perto do meu planejamento alimentar normal. Acabei tendo que encher meu reservatório com água da pia da pousada e fomos.
Chegamos com antecedência na arena de largada. Revolvi comprar uma meia da Kailash, que troquei na hora, e acabei me enrolando conversando sobre o percurso com o Thiago, e quando vi faltava 10 minutos. Comi mais um pouco de batata, tomei meus suplementos, esqueci de tomar suco com proteína que deveria, separei meus géis e fui alinhar.
Todo mundo já estava posicionado e eu me arrumando ainda. Não me aqueci, não me posicionei como gostaria, pra evitar trânsitos iniciais. Dei o primeiro gole na água do reservatório e me arrependi profundamente de não ter provado a água da pia antes de usá-la. O gosto de ferro do cano era muito forte, mas nem lamentei muito pois sabia que teria que passar as próximas 5 horas tomando ela.
Passados os primeiros quilômetros de confusão e trânsito, quando a gente começa a se encaixar nos paces, já me juntei à Giovana da TRB, que estava descendo no mesmo ritmo que eu e fomos juntas por muito tempo. Me joguei bastante na descida. Talvez eu devesse ter me segurado um pouco pra poupar energia, mas eu queria aproveitar a diversão e o momento. Numa corrida dessa, a gente nunca sabe o que pode acontecer. Aprendi muito a viver o instante e correr como o meu corpo está pedindo no momento. Me segurar pra poupar podia sair caro se eu me cansasse de qualquer maneira pra frente e não tivesse ganhado aqueles minutos iniciais. Eu nunca tropecei, caí, levei galho na cara e desequilibrei tanto quanto nessa prova.
Em certo momento a Giovana me disse que eu estava descendo muito bem. Fiquei feliz e falei que ela também, mas fui muito beginner de não saber que ela é MUITO forte e experiente, já fez a Maratona dos Perdidos e muitas outras. Na próxima, só agradeço humildemente. Eu não tinha noção mesmo em que posição nós estávamos e o quão boa ela era. Minha ideia era me divertir e me testar. Com tudo que tinha acontecido no mês anterior, era o mínimo que eu podia fazer. Não queria simplesmente ficar presa como fiz em outras provas. Queria me testar pra valer. Fomos ultrapassando muitas pessoas na descida. Muitos homens fortes, inclusive. Entre eles, percebi que alguns não ficavam muito felizes de ver mulheres passando. Um deles ficou me ignorando quando eu pedi 3 vezes pra ele abrir passagem. Tive que lembrá-lo que nós não éramos nem da mesma categoria, pra ele abrir mão e dar um passinho pro lado. Trilha fechada tem dessas. Mais uma vez, foi ótimo estar com a Giovana, porque ela ia me ajudando a pedir passagem.
Quando a descida estava chegando ao fim, fui me dando conta do erro de ter trocado de meia sem passar mais vaselina nos pés. A meia nova era um pouquinho mais grossa do que a minha anterior, e a falta de vaselina fez meus dedinhos criarem bolhas e as bolhas se transformarem em bolhas de sangue. A dor era grande e tive que começar a diminuir o ritmo. As pernas também começaram a dar sinal de fadiga e tive que diminuir o intervalo entre os géis pra não me sentir exausta.
Terminamos o trecho de descida de 15km com 2:05hs de prova, mal sabia eu o que ainda me esperava nos últimos 6km de subida extremamente técnica e pesada com um Sol muito quente na cabeça. Era escalada que não tinha fim. Sofri bastante, todos ao meu redor estavam sofrendo muito. Mas fomos indo, sobe um pouquinho, finge que tá admirando a paisagem pra descansar mais um tanto e prossegue. Pára pra esticar a perna do colega com cãimbra, dá água pra um outro que estava desesperado sofrendo, se preocupa com outros tantos que vão ficando pelo caminho… Lembrando que a KTR é uma prova de auto-suficiência. Não há postos de hidratação nem apoio.
Tinha hora que eu olhava pro relógio e os quilômetros não passavam de jeito nenhum. O pace chegava a ultrapassar os 30min por Km, em certos momentos. Encontrei o João, companheiro de Equipiazza que eu ainda não conhecia e fomos juntos por mais alguns momentos. Nessa hora, a Giovana já tinha ido embora. Eu sentia bastante a altitude também. meu coração ia na boca. Eu tinha que parar muitas vezes pra baixar os batimentos.
Quase chorei ao ver que no fim da subida tinha mais uma subida. No fim dela, já conseguíamos avistar a arena e ouvir a Fabiana narrando as pessoas chegando. Nesse momento eu tinha me destacado um pouco do pessoal que estava comigo, e me vi sozinha cruzando o espigão final. Quando ouço um grito ao longe: “PRISCILA!”. Meu coração foi na boca de novo, mas dessa vez de emoção. Os olhos encheram de lágrimas ao ver o Glauber balançando os braços pra mim. Eu estava finalmente chegando. Fui com minhas últimas energias em mais uma subidinha até a reta final e comecei a chorar de verdade quando ultrapassei o pórtico. Eu nunca imaginei que uma medalha fosse realmente significar algo pra mim.
Essa prova deixou uma marca enorme no meu coração e me emociono só de lembrar a sensação. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Ninguém é capaz de sentir o que o outro está passando. Só eu sei o que foi pra mim, mas eu não teria conseguido sem a força que o meu companheiro de vida @glauberkotaki me deu, sem paciência meu treinador @ultragoes em adaptar meus treinos quase que diariamente nesse mês, quando eu não consegui seguir planilha alguma, e por ter me dado tantas dicas nos treinos que fizemos juntos. Não teria conseguido também sem a minha nutri @alinekassahara_nutri que criou meu plano pra prova em cima da hora e por ter me ajudado tanto a mudar o funcionamento do meu corpo. Mas não teria conseguido mesmo sem as palavras de incentivo do meu irmão, com sua insistência pra que eu fosse pra prova.
Inacreditavelmente, eu fui a 14a mulher a chegar, Com 5:05min. Ficando em quinto lugar na minha categoria. Há alguns meses eu sonhava em ser TOP10 na categoria, esse resultado foi enorme pra mim.
Só tenho uma palavra pra esse dia: Emocionante.